Reforma tributária e Simples Nacional: Entre a simplicidade e a competitividade

O artigo discute como a reforma tributária afeta empresas do Simples Nacional, explorando os desafios de competitividade e as opções estratégicas frente ao novo sistema de IBS e CBS

O Simples Nacional é, de longe, o regime tributário mais representativo do país. Abrangendo 84% do universo de pessoas jurídicas ativas no Brasil, o que representa mais de 18 milhões de negócios, segundo dados da Receita Federal para o ano de 2024.

Diante dessa magnitude, a apreensão que pairava sobre seu destino com a reforma tributária (EC 132/23) era imensa.

Para o alívio de milhões, o regime foi mantido. Contudo, a celebração da sua sobrevivência deve ser acompanhada de uma análise estratégica imediata, pois o ecossistema tributário ao seu redor mudou de forma drástica.

A manutenção do Simples não significa a manutenção do status quo. Pelo contrário, a nova sistemática do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, baseada na não cumulatividade plena, cria uma encruzilhada para as empresas optantes.

A partir de agora, a escolha não é mais apenas sobre pagar menos impostos de forma simplificada; é uma decisão crucial entre a simplicidade operacional e a competitividade no mercado.

Este artigo explora os novos caminhos e o dilema que se impõe às empresas do Simples Nacional.

O Simples Nacional sobreviveu, mas o mundo tributário mudou

O Simples Nacional foi preservado, por sua inegável importância social e econômica, garantindo um tratamento tributário favorecido e unificado que permite a sobrevivência e o crescimento de pequenos negócios. A guia única (DAS) e as alíquotas progressivas continuam sendo um porto seguro contra a complexidade do sistema tributário tradicional.

No entanto, o mundo dos negócios fora deste porto seguro foi completamente redesenhado. O novo sistema de IBS e CBS, que unifica tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS, opera sob uma lógica de crédito financeiro e não cumulatividade plena. Nesta nova realidade, cada empresa na cadeia produtiva calcula seu débito e o abate dos créditos gerados em suas aquisições. A geração de crédito tributário para o cliente tornou-se, portanto, uma variável econômica tão importante quanto o preço e a qualidade do produto ou serviço. É exatamente neste ponto que reside o maior desafio para as empresas do Simples Nacional.

O "dilema do crédito": O calcanhar de aquiles no cenário B2B

O ponto nevrálgico da nova relação entre os regimes é que a empresa optante pelo Simples Nacional, por padrão, não transfere o crédito cheio do IBS/CBS para seus adquirentes. A legislação complementar prevê mecanismos para que um crédito limitado seja concedido, mas ele não se compara ao crédito pleno gerado por uma empresa Lucro Presumido e do Lucro Real.

Isso cria o que podemos chamar de "dilema do crédito", uma situação que afeta drasticamente a competitividade das empresas do Simples Nacional, que vendem para outras pessoas jurídicas (modelo B2B - business-to-business).

Imagine o cenário: a "indústria alfa", tributada pelo regime lucro real, precisa comprar peças de um fornecedor. Ela tem duas opções: a "metalúrgica beta", optante pelo Simples, e a "metalúrgica gama", do regime lucro presumido. Ambas vendem o produto pelo mesmo preço. No entanto, ao comprar da "gama", a "alfa" obtém um crédito de IBS/CBS de 26,5% (alíquota estimada) sobre o valor da aquisição, reduzindo seu imposto a pagar. Ao comprar da "beta", o crédito gerado é muito menor ou, em alguns casos, nulo. A decisão comercial torna-se óbvia: a "metalúrgica gama" é uma fornecedora mais "barata" do ponto de vista tributário.

Para empresas do Simples Nacional que vendem majoritariamente para o consumidor final (B2C - business-to-consumer), como restaurantes, pequenas lojas de varejo e salões de beleza, este problema é praticamente inexistente, pois o consumidor final não utiliza créditos tributários. Dessa forma, em linhas gerais, para este grupo, permanecer no Simples continua sendo, na maioria dos casos, a melhor opção.

Os caminhos possíveis: Análise estratégica para o empresário

Diante deste novo cenário, o pequeno empresário se depara com três caminhos estratégicos, cuja escolha dependerá do seu modelo de negócio e de um cuidadoso planejamento tributário.

Diante do cenário atual em que se encontra a regulamentação da reforma tributária, apresentamos três opções para as empresas do Simples Nacional, que vendem para outras empresas (B2B):

1. Permanecer no Simples Nacional:

Vantagens: Mantém a simplicidade da apuração e do recolhimento via DAS, com alíquotas potencialmente menores e menor custo burocrático.
Desvantagens: Baixa ou nula geração de crédito para clientes PJ, resultando em perda de competitividade no mercado B2B.
Recomendado para: Empresas com foco no consumidor final (B2C) ou cujo diferencial competitivo (preço, qualidade, exclusividade) seja tão grande a ponto de superar a desvantagem tributária.
2. Migrar para o regime padrão (IBS/CBS):

Vantagens: Passa a gerar crédito pleno de IBS/CBS, tornando-se um fornecedor atrativo e competitivo para empresas de qualquer porte.
Desvantagens: Perde a simplicidade do recolhimento unificado via DAS, enfrentando a apuração mensal e mais complexa do IBS e da CBS, além do aumento da carga burocrática e, potencialmente, da alíquota tributária total.
Recomendado para: Empresas do Simples com forte atuação no mercado B2B, que correm o risco iminente de serem substituídas por fornecedores do regime padrão.
3. O modelo híbrido: Optar pelo recolhimento do IBS/CBS "por fora"

A reforma trouxe uma terceira via: a empresa pode optar por permanecer no Simples Nacional para os tributos Federais (como IRPJ e CSLL), mas fazer o recolhimento do IBS e da CBS pelo novo regime padrão.

Vantagens: Permite que a empresa gere o crédito cheio de IBS/CBS para seus clientes, resolvendo o problema da competitividade, ao mesmo tempo que mantém alguma simplicidade na apuração dos demais tributos.
Desvantagens: Cria uma complexidade operacional intermediária, pois a empresa terá que lidar com duas sistemáticas de apuração (o DAS para os tributos do Simples e a apuração padrão para o IBS/CBS). A viabilidade financeira dependerá de cálculos precisos para cada caso.
Recomendado para: Empresas B2B que desejam se manter competitivas sem abrir mão completamente das vantagens do Simples, e que possuem estrutura contábil para lidar com a duplicidade de regimes.
Conclusão

A reforma tributária, ao mesmo tempo em que protegeu a existência do Simples Nacional, força seus optantes a saírem da zona de conforto. Não há mais uma resposta única e totalmente vantajosa. A decisão de permanecer, migrar ou adotar um modelo híbrido é altamente estratégica e deve ser baseada em uma análise profunda do modelo de negócio, do perfil dos clientes e da posição da empresa na cadeia de valor.

A mensagem para os pequenos e médios empresários é clara: O planejamento tributário deixou de ser uma tarefa anual para se tornar um exercício contínuo de análise e simulação. É urgente que, junto a seus advogados e contadores, avaliem os cenários e tomem uma decisão informada, antes que o mercado o faça por eles.

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